sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A Carta-testamento e o legado de Vargas


A Carta-testamento e o legado de Vargas
Carta-testamento (cópia datilografada) divulgada imediatamente após o suicídio de Vargas, em 24 de agosto de 1954. (GV c 1954.08.24/2)
Segundo o relato de familiares e colaboradores, ao lado do corpo de Getúlio Vargas foi encontrada a cópia de uma carta com sua assinatura, dirigida ao povo brasileiro. Nessa carta ficavam explícitas as razões que o tinham levado ao gesto extremo do suicídio e eram indicados os responsáveis pelo desfecho trágico: grupos internacionais cujos interesses o governo contrariara, aliados a grupos nacionais que se opunham ao que Vargas definia como "o regime de garantia do trabalho". Unidos, eles haviam deflagrado um bombardeio sem tréguas ao qual o presidente não mais podia resistir, um bombardeio que pretendia atingir sua pessoa, mas que, segundo suas palavras, visava a derrotar as conquistas que o governo assegurara ao povo brasileiro. No texto, Vargas colocava-se, enquanto governante, no papel de defensor, representante e libertador do povo. Com sua morte, buscava sagrar-se seu mártir e consolidar seu nome no panteão político brasileiro, associando-o definitivamente à bandeira dos interesses nacionais e do trabalhismo. Revelador dessa intenção é o trecho em que se lê: "Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Escolho este meio de estar sempre convosco... Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta."
Carta-testamento (cópia manuscrita e assinada) divulgada muitos anos após o suicídio de Vargas.(GV c 1954.08.24/2)Muitas controvérsias cercaram a Carta-testamento. Sua autoria chegou a ser atribuída ao jornalista José Soares Maciel Filho, redator de grande parte dos discursos de Vargas. Segundo depoimento de Lutero Vargas, filho do presidente, o jornalista teria confirmado que datilografara o texto manuscrito que lhe fora entregue pelo presidente. No arquivo de Getúlio, depositado no CPDOC, encontram-se, de fato, duas cartas. Uma cópia datilografada, que corresponde ao texto transmitido do Catete, por telefone, à Rádio Nacional horas após o suicídio, e uma cópia manuscrita, de um texto mais conciso, que igualmente menciona os poderosos interesses que se opunham aos interesses nacionais e exploravam o povo. Essa segunda versão, que não veio a público imediatamente após a morte de Getúlio, registra, como a primeira, ainda que de maneira menos eloqüente, suas projeções: "A resposta do povo virá mais tarde..."
Ainda que a autoria da carta tenha sido questionada e que o documento original nunca tenha vindo a público, sua leitura provocou reações emocionadas da população, o que só pôde acontecer porque seu conteúdo fazia sentido, era crível. Mais importante do que as controvérsias, portanto, é o fato de que o suicídio e a irradiação da carta para todo o território nacional foram capazes de produzir sensíveis alterações nos rumos políticos do país. A atmosfera acusatória que pairava contra o presidente e a queda de sua popularidade, especialmente após o atentado contra Carlos Lacerda, deram lugar a manifestações violentas, principalmente nos centros urbanos, nas quais a União Democrática Nacional (UDN) e toda a oposição, bem como o governo norte-americano, eram responsabilizados pelo destino de Vargas. O cortejo que acompanhou o corpo do presidente ao aeroporto Santos Dumont, no dia 25 de agosto, de onde embarcou para São Borja, reuniu uma multidão nunca vista na história do Rio de Janeiro. A oposição, diante da reação popular, viu-se obrigada a recuar, perdendo a vantagem política que acumulara no período que antecedeu o suicídio.
Atestado do óbito de Getúlio Vargas, de 24 de agosto de 1954. (GC rem. sup.2 1934.02.02) A morte tem um papel importante na construção da idéia de um legado, na medida em que ela é, ao mesmo tempo, fim de um percurso e condição de consolidação de uma finalidade, um sentido, para esse percurso. Com a morte, especialmente a morte heróica, os homens públicos fazem a passagem de uma forma de existência dominada pelas vicissitudes conjunturais, pelas disputas que caracterizam o tempo da política, a uma outra, marcada pela noção de continuidade, de superação da própria morte, que caracteriza o tempo histórico. O suicídio de Getúlio é emblemático do ponto de vista de uma morte heróica: para escapar aos embates políticos que lançavam pesadas acusações sobre seu governo e pôr fim à crise que assolava o país, Getúlio dá um tiro no peito e produz o texto que consagra sua própria epopéia, inscrita definitivamente, a partir de então, no imaginário político brasileiro.
Carta da Comissão pró-construção de estátua de Vargas, de Santa Catarina, por ocasião das comemorações do centenário de seu nascimento, afirmando que ¨a carta-testamento será esculpida no pedestal da estátua¨.
(EAP d 1954.08.24) A produção de um legado político associado a um personagem depende, sem dúvida, da relevância da trajetória desse personagem, mas também das estratégias e recursos mobilizados na construção de uma imagem pública que, investida de forte carga simbólica, é tornada exemplar ou fundadora de um projeto político, social ou ideológico. O projeto, ao longo desse processo de investimento social, acaba dotado de uma permanência que torna possível abstraí-lo de sua conjuntura e produzir apropriações posteriores, efetuadas por outros atores sociais, que buscam legitimar-se como os herdeiros do legado.
O herdeiro mais imediato de Vargas foi, sem dúvida, João Goulart, seu combatido ex-ministro do Trabalho, líder em torno de quem se articulariam as principais forças do trabalhismo e cuja penetração junto aos meios sindicais e às massas trabalhadoras continuaria a alimentar a desconfiança dos círculos antigetulistas. Além de Goulart, o próprio Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que imediatamente incorporou a Carta-testamento ao seu programa político, herdaria as principais bandeiras de Vargas. Mas também Juscelino, Brizola e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) – fundado após a extinção do bipartidarismo em 1979 –, entre outros atores sociais, buscaram legitimar-se apoiados no legado varguista, que durante muitas décadas constituiu uma das bases da vida política brasileira. Ainda hoje, 50 anos depois, esse legado é fonte de discussão, e o fim da Era Vargas continua sendo anunciado, seja como um sinal positivo, que o associa à superação dos entraves representados por uma forte presença do Estado na economia, seja, inversamente, no sentido da perda de conquistas da classe trabalhadora. De uma maneira ou de outra, o que está em jogo é a projeção do passado no presente. Essa projeção constitui a própria idéia de legado e diz respeito à atualização de um conjunto de idéias, mas também de símbolos, de imagens, que mudam no tempo, re-significados de acordo com os ditames do presente. A vitalidade do legado varguista reside, exatamente, nas múltiplas apropriações de que foi objeto, na existência de porta-vozes que o reivindicam, de instituições que o preservam e de comemorações que o reinventam.

Luciana Quillet Heymann

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Absolutismo



Penísula Ibérica na Época da Reconquista - em espanhol





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domingo, 7 de agosto de 2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Os militares e o segundo governo Vargas


Os militares e o segundo governo Vargas
O ministro da Aeronáutica Nero Moura (discursando) durante o almoço oferecido pelos militares ao presidente Getúlio Vargas (sentado de óculos escuros) no Clube da Aeronáutica. Rio de Janeiro, 2 de janeiro de 1954.Entre 31 de janeiro de 1951, quando Getúlio Vargasassumiu o governo, e 24 de agosto de 1954, quando se suicidou, a área militar foi marcada por disputas políticas e divergências ideológicas entre duas principais tendências: uma autodenominada "nacionalista" (e acusada de ser esquerdista pelos adversários) e outra "democrática" (acusada de ser "entreguista" pelo lado contrário). Vargas alternou o apoio a uma e outra tendência, num jogo arriscado que levou à perda de apoio do governo na área militar.
O clima de dissensão esteve presente já na indicação do general Estillac Leal, um expoente da ala "nacionalista", para ministro da Guerra, que foi mal recebida por círculos militares mais conservadores. A ala "nacionalista" defendeu a neutralidade brasileira na Guerra da Coréia (1950-1953), a campanha pela criação da Petrobras e o monopólio estatal do petróleo. Por seu lado, a tendência autodenominada "democrática" defendia o alinhamento com os Estados Unidos na Guerra da Coréia e a participação de grupos privados na exploração do petróleo, e criticava duramente a "infiltração comunista" nas Forças Armadas. Alguns generais dessa tendência fizeram críticas públicas ao governo, como os generais Euclides Zenóbio da Costa, veterano da FEB e comandante da Zona Militar Leste e da 1ª Região Militar, e Canrobert Pereira da Costa.
Eleições para o Clube Militar. Rio de Janeiro (DF), 1954.Um golpe na ala nacionalista foi dado quando o general Góis Monteiro, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, conseguiu articular, juntamente como o ministro do Exterior, João Neves da Fontoura, o Acordo Militar Brasil-Estados Unidos, assinado em março de 1952. Nesse mesmo mês, os generais Zenóbio e Estillac foram exonerados de suas funções, e o general Ciro do Espírito Santo Cardoso Eleições para o Clube Militar. Rio de Janeiro (DF), 1954.assumiu o Ministério da Guerra. Um enfrentamento direto entre as duas tendências ocorreu logo em seguida com as eleições para o Clube Militar. Estillac Leal lançou-se candidato à presidência do clube, numa chapa que se chamou de "nacionalista", por oposição aos militares de orientação "entreguista". Concorrendo com ela estava a chapa da "Cruzada Democrática", organizada pelo general Cordeiro de Farias e encabeçada pelos generais Alcides Etchegoyen e Nélson de Melo, defendendo a bandeira do "nacionalismo sadio". A Cruzada Democrática foi eleita com 65% dos votos.
Em fevereiro de 1954 foi tornado público um documento que ficou conhecido como Manifesto dos Coronéis, assinado por 81 oficiais superiores do Exército, muitos deles ligados à Cruzada Democrática. O documento, que foi enviado ao ministro da Guerra, protestava contra a falta de recursos para o Exército e contra a proposta do governo de dobrar o valor do salário mínimo, apresentada pelo ministro do Trabalho, João Goulart. O episódio levou à substituição do ministro do Exército pelo general Zenóbio. Em maio seguinte, a Cruzada Democrática venceu novamente as eleições do Clube Militar, agora com uma chapa encabeçada pelos generais Canrobert e Juarez Távora.
A perda de apoio militar do governo precipitou-se quando, na madrugada de 5 de agosto de 1954, o jornalista e candidato a deputado federal pela UDN Carlos Lacerda sofreu um atentado, no qual morreu o major-aviador Rubens Vaz, integrante de um grupo de oficiais da Aeronáutica que lhe dava proteção durante a campanha eleitoral. Sem confiar na ação da polícia, a Aeronáutica instaurou um IPM na Base Aérea do Galeão para investigar o episódio. Pelo poder de que desfrutou, esse IMP ficou conhecido como "República do Galeão".
Diante dos indícios de envolvimento da guarda pessoal de Getúlio no atentado, oficiais da Aeronáutica passaram a exigir a deposição do presidente, numa pressão crescente. No dia 23, o almirantado aderiu à causa da Aeronáutica, e 37 dos 80 generais do Exército que exerciam funções de comando no Rio de Janeiro assinaram um memorial a favor da renúncia de Vargas. Sem apoio efetivo na área militar, Vargas suicidou-se na madrugada de 24.
Celso Castro

Cidadania nos anos 1950: sindicatos e legislação trabalhista


Cidadania nos anos 1950: sindicatos e legislação trabalhista
Carteira de trabalho nº1, de 30 de julho de 1952.Quando, em 1950, Vargas foi eleito presidente da República, forças antigetulistas que contavam com uma vitória certa acusaram o povo de não saber votar. Mas o povo sabia exatamente o que fazia e, por isso, cantou a volta de "Gegê" em várias marchinhas do carnaval de 1951. Candidato do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Vargas utilizou-se da popularidade que havia conquistado durante seu primeiro governo, ligando seu nome ao avanço da industrialização e da legislação trabalhista no Brasil. Em sua campanha, por exemplo, prometeu o aumento do salário mínimo e a extensão da legislação trabalhista ao campo, o que deve ter criado muitas expectativas entre os trabalhadores.
Comício pela elevação do salário mínimo. s.l., 1954.Mas o segundo governo Vargas, transcorrido sob regime democrático, frustrou em boa parte tais expectativas. Foi um período de alta do custo de vida, embora igualmente de liberalização do movimento sindical. Por isso, houve greves, ao contrário dos anos 1930-1940, quando elas chegaram a ser proibidas. A mais importante foi chamada "greve dos 300 mil", e ocorreu em São Paulo. Portanto, a partir do segundo governo Vargas, os trabalhadores se rearticularam, reivindicando aumento de salário e lutando pela expansão dos direitos trabalhistas, aos quais Vargas estava politicamente vinculado.
Carteira de trabalho nº1, de 30 de julho de 1952.É importante registrar que antes de Vargas chegar ao poder, com a Revolução de 1930, já havia lutas de trabalhadores, debates no Congresso e inclusive algumas leis que regulamentavam o mercado de trabalho. O que tornou seu nome tão especial nessa área foi o fato de, entre 1930 e 1945, não só ter aumentado muito o número de leis trabalhistas, mas também terem sido estabelecidos mecanismos que garantiam sua real implementação e fiscalização. O Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, de 1930, e a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, são os melhores exemplos de que o Estado passava a intervir na economia e na sociedade, com destaque para as questões das relações de trabalho. Foi realmente ampla a intervenção do Estado, marcada pela centralização política, pelo nacionalismo e, sobretudo durante o Estado Novo (1937-1945), pelo autoritarismo. Correndo o risco de simplificação, é possível dizer que no campo do trabalho o nome de Vargas se associou:
  • à legislação trabalhista, isto é, à legislação voltada para a regulamentação das condições de trabalho dos que se encontravam ativos no mercado, o que envolvia questões como horário de trabalho, trabalho de menores e mulheres, férias, Carteira de Trabalho etc.;

  • à legislação previdenciária, ou seja, às leis que atingiam os trabalhadores que haviam deixado o mercado de trabalho, mas que precisavam ser mantidos como consumidores, bem como suas famílias, quer por razões econômicas, quer por razões sociais, como na época já se sabia. Foram os Institutos de Aposentadoria e Pensões, os famosos IAPs, que materializaram tal intervenção de maneira mais visível e duradoura;

  • à legislação sindical, que estabelecia que as organizações de classe de "empregados e empregadores", usando a terminologia que seria consagrada, deveriam ser interlocutores legais e legítimos no mercado de trabalho. Os sindicatos teriam o monopólio da representação de sua categoria (a unicidade), podendo negociar acordos coletivos. Por isso, deveriam ser reconhecidos pelo Estado (e também por ele tutelados), o que lhes garantia a cobrança do "imposto sindical", quer dizer, de uma contribuição, independentemente de o trabalhador ser ou não filiado ao sindicato;

  • à instituição da Justiça do Trabalho, uma justiça especial, pelo tipo de matéria que julga (um direito coletivo), bem como por, na época, estar vinculada ao Poder Executivo, isto é, ao novo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
Toda essa ampla legislação significou um aumento do número de pessoas beneficiadas e também um aumento dos benefícios trabalhistas então existentes. Porém, devido às resistências dos proprietários rurais, dela estavam excluídos os trabalhadores do campo, que foram, até a década de 1960, a maioria dos trabalhadores do Brasil. Mesmo não atingindo diretamente o trabalhador rural, essas leis do trabalho tiveram grande importância para a população do país em geral, especialmente porque foram amplamente divulgadas pelos mais modernos meios de comunicação, tornando-se objeto de uma maciça e bem cuidada propaganda.
O outro lado dessa história é que, durante o primeiro governo Vargas, especialmente após 1935, com o combate ao comunismo, e durante o Estado Novo, quando os direitos políticos foram suprimidos, a repressão se abateu violentamente sobre todos aqueles que se opuseram ao regime. Dessa forma, a política varguista acabou por combinar a aplicação de leis sociais e trabalhistas a um rígido controle sobre os trabalhadores e seus sindicatos. Devido a esse contexto, o real avanço ocorrido no campo dos direitos sociais não colaborou para um processo de democratização do país.
Essa situação só começou a se alterar nos anos 1950, com a volta do Estado de Direito e do próprio Vargas ao poder. Foi então que o movimento sindical se rearticulou e passou a atuar como um ator político, valendo-se de sua força eleitoral, das leis de proteção ao trabalho, da possibilidade de fazer greves e da própria Justiça do Trabalho, para lutar pela ampliação de todos os seus direitos: sociais, políticos e civis. Essa é uma das razões que tornam a República de 1945-1964 e, nela, o segundo governo Vargas, um momento especial do processo de expansão da cidadania no Brasil.

Getúlio Vargas e a imprensa: uma relação conflituosa


E ele voltou... o segundo governo Vargas > Getúlio Vargas e a imprensa: uma relação conflituosa
Getúlio Vargas e a imprensa: uma relação conflituosa

Ao iniciar sua volta ao poder em 1951, Vargas não contou com o apoio da imprensa escrita e falada de maior circulação no país. Sua campanha política foi feita com a utilização de caminhões equipados com alto-falantes e de volantes impressos que divulgavam seu programa de governo. A imprensa, na verdade, atacou violentamente as propostas políticas, econômicas e sociais do candidato Vargas. Essa recusa em apoiar a volta de Vargas estava referenciada principalmente ao período do Estado Novo, quando se criou uma imagem negativa do ditador entre intelectuais e jornalistas. Estes últimos se lembravam de que a Constituição de 1937 abolira a liberdade de expressão do pensamento e de que todos os meios de comunicação foram então submetidos à censura.
Alzira Vargas do Amaral Peixoto lendo um exemplar do jornal Última Hora. s.l. 1952Para divulgar as realizações de seu governo, Vargas incentivou a criação da Última Hora, jornal inovador que introduziu uma série de técnicas de comunicação de massa até então desconhecidas no Brasil. A Última Hora, criada pelo jornalista Samuel Wainer em junho de 1951, além de contar com recursos advindos do banqueiro Walter Moreira Sales e do Banco Hipotecário de Crédito Real de Minas Gerais, obteve apoio do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal. Obter recursos do governo não era algo excepcional, já que a maioria das empresas jornalísticas do país dependia da importação de papel, que era subsidiada pelo governo. De modo geral, a modernização dos veículos de comunicação se fazia com empréstimos de bancos oficiais.
Jornalista Samuel Wainer e o presidente Getúlio Vargas. Campos do Jordão (SP), jan. 1951.As críticas da imprensa ao governo Vargas eram muito mais de natureza política e administrativa do que econômica. O jornal O Estado de S. Paulo, por exemplo, não fazia críticas à política do ministro da Fazenda Horácio Lafer, industrial paulista que tinha grande prestígio junto ao jornal. As críticas à política econômica incidiam, muitas vezes, sobre a orientação nacionalista e as restrições ao capital estrangeiro adotadas pelo governo.
A oposição a Vargas se intensificou a partir de 1953 e teve na imprensa a liderança dos jornalistas Carlos Lacerda, proprietário do jornal Tribuna da Imprensa, e Assis Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados. Carlos Lacerda utilizou, além do seu jornal, a Rádio Globo e a Rede Tupi de televisão, esta pertencente aos Diários Associados.
O clima de confronto entre a oposição e o governo culminou no atentado a Carlos Lacerda, e 5 de agosto de 1954. A partir desse episódio deu-se a mobilização da imprensa, que de modo geral manifestou-se em editoriais contra a permanência de Vargas à frente do governo. A observação do comportamento dos diversos jornais do período mostra, contudo, algumas diferenças no tratamento do governo e da crise.
Jornais como o Diário Carioca, o Diário de Notícias, O Estado de S. Paulo e o Correio da Manhã,mesmo adotando um discurso de defesa dos preceitos formais do regime democrático e buscando soluções dentro da lei, nunca aderindo, portanto, a um golpismo declarado, fizeram dura oposição ao governo Vargas, antes e depois do atentado a Carlos Lacerda. Esses jornais evoluíram ao longo da crise, passando, logo após o atentado, a acusar o presidente da República de responsável pelo crime da Tonelero e a pedir sua renúncia. Já os jornais O Globo, O Jornal e Folha da Manhã tiveram um comportamento menos emotivo e mais objetivo no tratamento dos acontecimentos. Em nenhum momento esses jornais atribuíram a Vargas a responsabilidade direta pelo atentado, e muito menos advogaram uma solução unilateral ditada pelas Forças Armadas. O apelo à renúncia só ocorreu às vésperas do suicídio.
A população foi informada do suicídio de Vargas pelo rádio. Foi o Repórter Esso, da Rádio Nacional, que, em edição extraordinária, deu a notícia. Foram as estações de rádio de todo o país que divulgaram os detalhes do episódio e a Carta-testamento deixada por Vargas. No Rio de Janeiro, o jornal Última Hora foi o primeiro a sair com a notícia, em duas edições extras. O Globo e a Tribuna da Imprensa tiveram dificuldade de circular, pois a população tentou impedir sua distribuição, mas de toda forma noticiaram com destaque o ocorrido. Analisando a posição de O Globo durante esse período, parece incompreensível a reação popular desencadeada contra o jornal, que mantinha uma orientação mais moderada, se comparada à dos demais. Entretanto, a Rádio Globo, pertencente ao mesmo proprietário, mantinha uma posição extremamente radical contra Vargas, expressa através do programa Parlamento em Ação, do radialista Raul Brunini, que dava cobertura às posições de Carlos Lacerda e da UDN. O jornal acabou sofrendo represálias por conta das posições da rádio.
É importante observar que nesse acontecimento os principais órgãos de imprensa, com algumas exceções, atuaram decisivamente tanto na formação de um consenso a respeito da inviabilidade política e moral da preservação do mandato de Getúlio Vargas, quanto na intermediação do diálogo entre os diferentes grupos das elites políticas para a resolução do impasse. A imprensa fez um apelo no sentido da manutenção da ordem constitucional, ou seja, do respeito à lei. Pediu a renúncia de Vargas, mas também a continuidade constitucional através da posse do vice-presidente.
Alzira Alves de Abreu

Petrobras 50 anos


Petrobras 50 anos
Apresentação
Ao completar 50 anos em 2003, a Petrobras apresenta indicadores que revelam sua força empresarial. Maior empresa brasileira, maior companhia de petróleo da América Latina e 15ª do mundo, a Petrobras tem hoje uma dimensão internacional - está presente em nove países latino-americanos e da África -, atuando na exploração e produção, refino, comercialização, transporte, petroquímica, distribuição de derivados, e gás natural. Embora seja uma sociedade anônima de capital aberto - conta com 131.577 acionistas -, é controlada pelo Estado: a União detém 55,7% de suas ações ordinárias (portanto, de seu capital votante) e 32,2% do capital social total.
Em 2002, a Petrobras possuía 9.842 poços de petróleo, dos quais 852 marítimos, 96 plataformas de produção (74 fixas e 22 flutuantes). A média anual de produção de óleo foi de 1,5 milhão de barris por dia. Suas 14 refinarias produziram 1,7 milhão de barris por dia, o que correspondeu a 93% da demanda interna de derivados de petróleo. Seus dutos atingiam 14.267 quilômetros de extensão, atendendo a nada menos que 7.119 postos de distribuição de combustíveis espalhados pelo país. Uma frota de 115 navios petroleiros, dos quais 55 de sua propriedade,estava a seu serviço.
Sua receita em 2002 foi de aproximadamente R$ 70 bilhões e seu lucro líquido, só no primeiro semestre de 2003, foi de quase R$ 9,4 bilhões. Os investimentos da empresa deverão alcançar, entre 2003 e 2007, mais de R$ 90 bilhões.
A rigor, o nome Petrobras recobre um sistema empresarial que inclui, além da Petróleo Brasileiro S/A, oito subsidiárias: Petrobras Distribuidora S/A - BR; Petrobras Química S/A - Petroquisa; Petrobras Gás S/A - Gaspetro; Petrobras Transporte S/A - Transpetro; Downstream Participações S/A, Petrobras Energia Participaciones, Petrobras Negócios Eletrônicos S/A; e Petrobras International Finance Company (PIFCO).
Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarao e 
Regina da Luz Moreira

A Campanha do Petróleo e a criação da Petrobras
Primeiro poço produtor de petróleo no Brasil. Lobato, BA, agosto de 1938.As origens da Petrobras remontam à segunda metade da década de 1940, quando os rumos do desenvolvimento econômico brasileiro estavam no centro das discussões. Que papel caberia à iniciativa privada, nacional e estrangeira, e à iniciativa estatal nas transformações a serem introduzidas na economia brasileira?
A discussão sobre a exploração do petróleo se situa nesse quadro mais amplo, tendo sido um dos tópicos constantes dos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte (ANC), iniciados em fevereiro de 1946. O pleito de 1945 - que elegera presidente da República o general Eurico Dutra, ministro da Guerra do ex-presidente Getúlio Vargas - criou um Congresso acentuadamente conservador, em que a maioria dos parlamentares procurava não só apagar os traços autoritários do Estado Novo, mas também revogar a legislação nacionalista e as conquistas sociais do período.A publicação de textos sobre a questão do petróleo no Brasil foi uma das muitas atividades desenvolvidas pela UNE. Capa de ¨A vitória do Petróleo no Brasil¨, 1943.
No que concerne à exploração mineral, à qual o petróleo está diretamente relacionado, a nova Carta admitia a participação de capitais privados estrangeiros, desde que integrados em empresas constituídas no Brasil. Em fevereiro de 1947, Dutra designou uma comissão encarregada de rever as leis existentes à luz da recém-promulgada Constituição e determinar as diretrizes para a exploração do petróleo, produto cujo consumo crescia rapidamente no país. Capa de ¨O monopólio do petróleo¨. Cordel de Mestre AzulãoEm linhas gerais o anteprojeto daí resultante, conhecido como Estatuto do Petróleo, estabelecia com nitidez o princípio da utilidade pública do produto, mas considerava impossível a completa nacionalização, por falta de verbas, de técnicos especializados e de condições gerais. Publicado, desagradou a todos: dos nacionalistas, que defendiam o monopólio estatal integral, aos grandes trustes, interessados na exploração do petróleo brasileiro à maneira do venezuelano.
Panfleto do PCB contra o 'entreguismo': Brasil, o petróleo é nosso. Década de 1950.Em abril de 1947, ainda durante a elaboração do Estatuto, uma vigorosa reação nacionalista começou a ganhar corpo através de uma série de conferências realizadas no Clube Militar. Foi o estopim da Campanha do Petróleo, que se tornaria uma das maiores campanhas políticas da história brasileira, e que ficaria famosa por seu slogan: "O petróleo é nosso". Os debates foram abertos com um pronunciamento do general Juarez Távora, favorável aos termos em que o governo ia definindo a questão. No campo nacionalista encontrava-se o também general Horta Barbosa, ex-presidente do Conselho Nacional do Petróleo.
Capa de ¨Mensagem de Monteiro Lobato ao povo bahiano¨, publicado em ¨A Tarde¨, de Salvador, a 2 de janeiro de 1948.Em abril de 1948, dois meses depois de o Estatuto ter sido apresentado no Congresso, os partidários do monopólio estatal fundaram no Rio o Centro de Estudos e Defesa do Petróleo, depoisCentro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional (CEDPEN). Articulando militares, estudantes, homens públicos e intelectuais, o CEDPEN passou a dirigir a Campanha do Petróleo. De imediato, promoveu a Semana do Petróleo e, em junho, o Mês do Petróleo. Em outubro, adotou formalmente, em convenção nacional, a tese do monopólio estatal para todas as fases da exploração do petróleo. Em dezembro, um projeto completo foi apresentado ao Congresso na escadaria da Câmara dos Deputados, Aspectos da obra da Refinaria de Petróleo de Cubatão. Cubatão, SP, 10 outubro 1953.junto à estátua de Tiradentes.
Na Câmara, após aprovação na Comissão de Constituição e Justiça, o Estatuto do Petróleo teve sua tramitação truncada, e acabaria sendo arquivado. Na prática, Dutra desistiu dele ainda em 1948, ao pedir ao Congresso recursos para a construção das refinarias estatais de Mataripe (BA) - que começaria a operar em dezembro de 1950 - e de Cubatão (SP), para a construção do oleoduto Santos-São Paulo e para a aquisição de uma frota nacional de petroleiros.
Foi esse o quadro encontrado por Getúlio Vargas, ao voltar à presidência da República em janeiro de 1951. Para superar o impasse enfrentado, em dezembro enviou ao Congresso projeto de lei propondo a criação da "Petróleo Brasileiro S.A." (Petrobrás), empresa de economia mista com controle majoritário da União. Curiosamente, não estabelecia o monopólio estatal, uma das principais teses nacionalistas, permitindo até, teoricamente, que até 1/10 das ações da empresa holding ficasse em mãos de estrangeiros.
Revista ¨Petrobras¨: propaganda institucional voltada para a divulgação dos mais diversos aspectos que envolvem as atividades da empresa. Estradas. Fev/1961Mas a essa altura já se encontrava em discussão um outro projeto, apresentado em janeiro pelo deputado Eusébio Rocha, que mantinha a fórmula de empresa mista, mas estabelecia o rígido monopólio estatal, vedando a participação estrangeira. Em maio, a União Democrática Nacional (UDN) assumiu a defesa do monopólio estatal, combatendo o projeto da Petrobras, posição com nítida dimensão política que foi reforçada, no mês seguinte, com a apresentação, pelo deputado Bilac Pinto (presidente do partido), de um substitutivo propondo a criação da Empresa Nacional do Petróleo (Enape). Enquanto isso, nas ruas, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o CEDPEN relançavam a palavra de ordem "O petróleo é nosso".
Revista ¨Petrobras¨: propaganda institucional voltada para a divulgação dos mais diversos aspectos que envolvem as atividades da empresa. Valorização do empregado. Maio/1961.Diante da situação criada, Vargas optou finalmente pelo monopólio estatal, autorizando a abertura das negociações no Congresso. O primeiro passo foi o apoio dado pela maioria governamental à emenda do deputado Lúcio Bittencourt, vedando a participação de acionistas estrangeiros. Aprovado na Câmara em setembro de 1952, o projeto da Petrobras foi então remetido ao Senado, onde alguns senadores se identificavam abertamente com os interesses privados, nacionais e estrangeiros. Em junho de 1953, o projeto retornou à Câmara com 32 emendas - algumas permitindo o completo controle da Petrobras pelo capital privado -, mas foram todas derrubadas na Câmara. Mas duas concessões foram feitas: a que confirmava as autorizações de funcionamento das refinarias privadas já existentes; e a que permitia a participação de empresas particulares, inclusive estrangeiras, na distribuição dos derivados de petróleo. Em 21 de setembro, o projeto foi aprovado em sua redação definitiva.
Revista Petrobras: propaganda institucional voltada para a divulgação dos mais diversos aspectos que envolvem as atividades da empresa. Nov/dez 1964Em 3 de outubro de 1953, depois de sete anos de luta e de intensa mobilização popular, Vargas sancionou a Lei nº 2.004, que criava a Petróleo Brasileiro S.A - Petrobras, empresa de propriedade e controle totalmente nacionais, com participação majoritária da União, encarregada de explorar, em caráter monopolista, diretamente ou por subsidiárias, todas as etapas da indústria petrolífera, menos a distribuição. Ao CNP caberia orientar e fiscalizar o monopólio da União, sendo reafirmada sua competência para supervisionar o abastecimento nacional do petróleo.
Revista Petrobras: propaganda institucional voltada para a divulgação dos mais diversos aspectos que envolvem as atividades da empresa. Hidrocálcio. Ago/1963Em mensagem ao povo brasileiro, Getúlio destacou a importância da medida: "Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econômico (...). É, portanto, com satisfação e orgulho patriótico que hoje sancionei o texto de lei aprovado pelo poder legislativo, que constitui novo marco da nossa independência econômica".

Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarao e 
Regina da Luz Moreira


A Petrobras e a flexibilização do monopólio de exploração do petróleo no Brasil
Na década de 90, o Estado brasileiro foi objeto dos mais radicais questionamentos e das mais abruptas desconstruções. Profundamente influenciados por uma conjuntura internacional marcada pelo neoliberalismo, os discursos político e econômico hegemônicos no Brasil passaram a legitimar o desmonte do Estado como única alavanca capaz de impulsionar o país em direção à "modernidade" do Primeiro Mundo. Tal contexto afetaria, significativamente, o modelo brasileiro de exploração, refino e comercialização do petróleo.
Usufruindo de uma consolidada legitimidade política obtida nas urnas em 1994, o governo Fernando Henrique Cardoso não adiou nem flexibilizou sua proposta de reforma do setor petrolífero. Já na abertura da nova legislatura, conseguiu constituir maioria na Comissão Especial de Petróleo, recém-instalada na Câmara dos Deputados. Entre seus 30 integrantes, destacavam-se nomes de histórica militância anti-monopolista, como os ex-ministros Delfim Neto (PPB/SP) e Roberto Campos (PPB/MT).
Ato de lançamento da campanha contra a quebra do monopólio estatal, promovido pelo Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, nas escadarias do Palácio Pedro Ernesto, onde funciona a Câmara dos Vereadores. 1990As lideranças civis nacionalistas, vindas do setor petroleiro e do movimento em defesa da manutenção do monopólio estatal, logo perceberam que os tradicionais instrumentos de ação seriam pouco eficazes diante do rolo compressor do governo no Congresso. No entanto, muito mais grave que a avaliação da desproporção entre as capacidades de mobilizar recursos em torno das distintas propostas era a clara identificação do nível de interferência que o governo federal passaria a impor no interior da máquina administrativa, especialmente das empresas estatais. Punições, perseguições e censuras públicas seriam alguns dos artifícios utilizados na tática de desmobilização das oposições.
Lançamento da campanha contra a quebra do monopólio estatal, promovido pelo Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro, durante sessão da Câmara dos Vereadores, no Palácio Pedro Ernesto. 1990Avaliando a conjuntura política e dispostos a viabilizar novamente um movimento que influísse em toda a sociedade, no dia 3 de maio de 1995 os trabalhadores da Petrobras entraram em greve. Menos de quarenta e oito horas depois, a Comissão Especial do Petróleo aprovou, por 23 votos em 30, o texto do relator Procópio Lima Neto (PFL/RJ) que preconizava a quebra do monopólio estatal no setor petrolífero.
Vencedor no primeiro round, o governo federal passou a priorizar a utilização de espaços da mídia para desconstruir a legitimidade do movimento de defesa da Petrobras e do monopólio. Com discursos que associavam os petroleiros às categorias profissionais mais favorecidas e informações que indicavam o desabastecimento de combustíveis em grandes metrópoles, o governo impunha sua pressão sobre os que se opunham à "marcha inexorável da modernização do país".
A estratégia das forças políticas que se opunham à diretriz do governo era de concentrar esforços na disputa pelos votos no Congresso. Entidades como a Federação Única dos Petroleiros - FUP e aAssociação dos Engenheiros da Petrobras - AEPET construíram estruturas de lobby junto ao Legislativo, visando a definição e a adoção de posições que auxiliassem na forma de influenciar o direcionamento dos votos. No entanto, em 7 de junho de 1995 o plenário da Câmara aprovou, em primeiro turno - por 364 votos contra 141 -, o texto da emenda constitucional que definia a quebra do monopólio estatal do petróleo. No dia 20, o governo conseguia sua aprovação no segundo turno.
No Senado, para onde o texto foi encaminhado, a configuração de forças era outra. Alimentada por anos de investimento do discurso nacionalista e intimamente ligada a certas tradições políticas brasileiras, a maioria dos senadores se mostrava inclinada a redefinir os termos da quebra absoluta do monopólio no texto legislativo que tramitava na casa.
Passeata realizada no centro da cidade do Rio de Janeiro, durante o movimento grevista de 1999.No dia 20 de julho, o relator Ronaldo Cunha Lima (PMDB/PB) tornava pública a sua intenção de inserir dispositivos no texto original, de modo a assegurar a proibição da privatização da Petrobras. Diante das iminentes alterações no texto, o líder do governo no Senado, Élcio Alvares (PFL/ES), passou a articular a derrubada da proposta de Cunha Lima em votação da Comissão de Constituição e Justiça. As incertezas quanto à forma de apresentação da emenda na CCJ do Senado perduraram até a noite de 3 de agosto. Atendendo ao pedido do governo federal, as lideranças do PMDB concordaram em não alterar o texto da emenda, garantindo, assim, a manutenção dos prazos estipulados pela coalizão governista para a aprovação de um conjunto de leis que favoreceriam a flexibilização do monopólio estatal do petróleo.
No entanto, o compromisso que algumas lideranças parlamentares haviam assumido com a defesa da Petrobras seria cobrado também do governo federal. Para garantir o trâmite acelerado e a aprovação da emenda sem alterações formais, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB/AP), solicitou de Fernando Henrique uma posição formal quanto à situação da empresa após a quebra do monopólio. No dia 9 de agosto, antes da apresentação do relatório de Cunha Lima, Sarney divulgou uma carta, assinada pelo presidente, na qual o governo federal se comprometia em não privatizar a Petrobras e em garantir à empresa o privilégio de exploração das 29 bacias já identificadas.
Tendo sido garantida a flexibilização do monopólio, no dia 6 de agosto de 1997 foi promulgada a lei 9.478, que reafirmava o monopólio da União sobre os depósitos de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, mas abria o mercado para outras empresas competirem com a Petrobras. Através da nova lei, que mantinha a Petrobras como um empresa estatal, ficavam também instituídos os dois novos agentes que atuariam no setor: o Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, órgão de assessoria e consulta da Presidência da República, incumbido de propor políticas nacionais e medidas específicas para o setor; e a Agência Nacional de Petróleo - ANP, órgão regulador da indústria do petróleo, que definiria diretrizes para a participação do setor privado na pesquisa, exploração, refino, exportação e importação de petróleo e derivados.
Carlos Eduardo Barbosa Sarmento e 
Regina da Luz Moreira
O Problema do Petróleo no Brasil: pesquisa de opinião pública. Rio de Janeiro, 1954. Págs 1 e 2.
O problema do Petróleo no Brasil: pesquisa de opinião pública realizada pela Inter-Americana de Publicidade e oferecida ao Conselho Nacional do Petróleo e à Petrobras como contribuição às suas diretrizes administrativas. 
Rio de Janeiro, 1954
Você sabia que em 1954, a maior parte das pessoas entrevistadas pela agência Inter-Americana de Publicidade (1449 pessoas, em um universo de 1500) acreditava que o Brasil possuía petróleo em seu subsolo? . E que neste mesmo universo, mais da metade acreditava ser possível o país desenvolver a indústria do petróleo com seus próprios recursos? Segundo esta pesquisa de opinião, 777 entrevistados (entre 1500) responderam afirmativamente à pergunta. Mas o número de descrentes também era muito grande: 716 . Para eles, o maior empecilho se devia à falta de capital e de técnicos (70% dos 716 entrevistados que haviam respondido negativamente). Mesmo, porém, entre os "incrédulos", a crença na capacidade de superação do operário brasileiro era alta: afinal, apenas 55 acreditavam que o grande empecilho era a falta de recursos técnicos. .
Por falar em fé, cerca de 84,5% dos 1500 entrevistados acreditavam que os brasileiros seriam capazes de administrar a indústria do petróleo por si próprios, enquanto que apenas 217 achavam que isso não era possível. Mas parece que a confiança parava por aí. Quando a agência perguntou se eles achavam que a Petrobras iria conseguir industrializar o petróleo a divisão foi mais acirrada: enquanto 775 dos entrevistados (ou seja, 52%) respondiam afirmativamente, 706 (47%) não acreditavam no sucesso do empreendimento.
Na realidade, porém, a descrença não se devia à falta de confiança na capacidade realizadora do brasileiro, mas sim à intromissão indevida da política. Pelo menos foi o que afirmaram 520 dos 706 entrevistados que haviam respondido negativamente na pergunta anterior, ou seja, 74%. Em segundo lugar, tecnicamente empatados, temos como justificativa para o suposto insucesso da Petrobras, a incapacidade técnico-administrativa (27%) e a falta de cambiais para a compra de equipamentos e etc (25%). Finalmente, cerca de 18% consideravam que o desinteresse de cooperação estrangeira seria o fator determinante para impedir o sucesso da Petrobras na industrialização do petróleo no Brasil.
Vale lembrar que a campanha que resultou na criação da Petrobras foi longa e que envolveu praticamente todos os setores da sociedade brasileira. Mesmo assim, ao serem perguntados sobre como deveria ser explorada a indústria do petróleo, os entrevistados se dividiram: cerca de 40% optaram por uma companhia mista de capitais nacionais e estrangeiros, enquanto 32% preferiam uma companhia mista de capitais do estado e de brasileiros. Enquanto isso, 19% responderam pelo governo. Mas uma coisa é certa: apenas 6,5% desejavam que o petróleo brasileiro fosse entregue a companhias estrangeiras. Ao menos nesse aspecto o grande debate provocado pelos integrantes do Centro de Defesa do Petróleo e da Economia Nacional - CEDPEN e pelo Clube Militar cumpriu sua função.
E não foi apenas à luta destas duas instituições que o brasileiro deve a criação da Petrobras e a implantação da indústria petrolífera. A atuação do Conselho Nacional do Petróleo - no qual se destacaram pessoas como o general Horta Barbosa - também foi preponderante. E isso foi confirmado na pesquisa de opinião: 48,1% dos entrevistados reconheceram a importância da atuação do CNP, contra apenas 15,3% que negaram a importância do Conselho na descoberta do petróleo. Mas talvez o dado mais surpreendente é o desconhecimento sobre o assunto, pois 36,3% afirmaram ignorar tal fato, mesmo depois de toda a Campanha do Petróleo, de todos os debates e artigos publicados na imprensa. (Quadro 8)
Mas como entender este sentimento derrotista manifestado por muitos dos entrevistados em relação ao futuro da Petrobras, uma empresa que ainda estava se estruturando, e que tinha tudo para dar certo, já que comercializava com um produto cada vez mais indispensável no cotidiano do cidadão moderno? A explicação para a maior parte dos entrevistados, 65% deles, estava simplesmente na falta de confiança das iniciativas do governo.
Não custa lembrar que esta pesquisa de opinião foi feita entre os meses de abril e junho de 1954. Ou seja, na reta final do governo de Getúlio Vargas, já atingido pela crise, que teria por desfecho trágico seu suicídio. Mas muitos (27%) também reconheciam que esta descrença estava na falta de esclarecimentos sobre o que fosse a Petrobras. Quase um empate técnico com aqueles que atribuíam a campanha derrotista à influência estrangeira (20%).

Regina da Luz Moreira